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segunda-feira, 4 de março de 2013

63 - Fernando Pessoa: Na casa defronte de mim; Oswaldo Montenegro: Todo sentimento

Fernando Pessoa invejando a felicidade alheia: "Na casa defronte de mim e dos meus sonhos, que felicidade há sempre!" Enquanto isso, ele fala da própria vida "Até eu, que neste momento já não estou sentindo nada. Nada? Não sei... Um nada que dói..." O nada dói... mais do que alguma coisa. A ausência que é presença... E Oswaldo Montenegro, interpretando delicadamente Roberto Menescal, completa: "Prometo te querer, até o amor cair, doente, doente...  Prefiro, então, partir a tempo de poder, a gente se desvencilhar da gente. Depois de te perder, te encontro, com certeza, talvez num tempo da delicadeza. Onde não diremos nada, nada aconteceu. Apenas seguirei como encantado ao lado teu." Que bom se a gente conseguisse ter esse distanciamento quando essas coisas acontecem, e conseguisse tentar, com calma, "a gente se desvencilhar da gente". Mas na realidade, Pessoa infelizmente está certo: "Um nada que dói..."

"Na casa defronte de mim e dos meus sonhos,
Que felicidade há sempre!
Moram ali pessoas que desconheço, que já vi mas não vi.
São felizes, porque não são eu.
As crianças, que brincam às sacadas altas,
Vivem entre vasos de flores,
Sem dúvida, eternamente.
As vozes, que sobem do interior do doméstico,
Cantam sempre, sem dúvida.
Sim, devem cantar.
Quando há festa cá fora, há festa lá dentro.
Assim tem que ser onde tudo se ajusta —
O homem à Natureza, porque a cidade é Natureza.
Que grande felicidade não ser eu!
Mas os outros não sentirão assim também?
Quais outros? Não há outros.
O que os outros sentem é uma casa com a janela fechada,
Ou, quando se abre,
É para as crianças brincarem na varanda de grades,
Entre os vasos de flores que nunca vi quais eram.
Os outros nunca sentem.
Quem sente somos nós,
Sim, todos nós,
Até eu, que neste momento já não estou sentindo nada.
Nada? Não sei...
Um nada que dói...


Oswaldo Montenegro – Todo sentimento

Preciso não dormir
Até se consumar
O tempo da gente.
Preciso conduzir
Um tempo de te amar,
Te amando devagar e urgentemente.
Pretendo descobrir
No último momento
Um tempo que refaz o que desfez,
Que recolhe todo sentimento
E bota no corpo uma outra vez.
Prometo te querer
Até o amor cair
Doente, doente...
Prefiro, então, partir
A tempo de poder
A gente se desvencilhar da gente.
Depois de te perder,
Te encontro, com certeza,
Talvez num tempo da delicadeza,
Onde não diremos nada;
Nada aconteceu.
Apenas seguirei
Como encantado ao lado teu.

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