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domingo, 30 de junho de 2013

176 - Fernando Pessoa: Sim, sei bem; Legião Urbana: Andrea Dória

Fernando Pessoa falando que nunca será alguém... E Renato Russo vai em um caminho parecido. 

Fernando Pessoa

Sim, sei bem
Que nunca serei alguém.
Sei de sobra
Que nunca terei uma obra.
Sei, enfim,
Que nunca saberei de mim.
Sim, mas agora,
Enquanto dura esta hora,
Este luar, estes ramos,
Esta paz em que estamos,
Deixem-me crer
O que nunca poderei ser.


Às vezes parecia
Que de tanto acreditar
Em tudo que achávamos
Tão certo...
Teríamos o mundo inteiro
E até um pouco mais
Faríamos floresta do deserto
E diamantes de pedaços
De vidro...
Mas percebo agora
Que o teu sorriso
Vem diferente
Quase parecendo te ferir...
Não queria te ver assim
Quero a tua força
Como era antes
O que tens é só teu
E de nada vale fugir
E não sentir mais nada...
Às vezes parecia
Que era só improvisar
E o mundo então seria
Um livro aberto...
Até chegar o dia
Em que tentamos ter demais
Vendendo fácil
O que não tinha preço...
Eu sei é tudo sem sentido
Quero ter alguém
Com quem conversar
Alguém que depois
Não use o que eu disse
Contra mim...
Nada mais vai me ferir
É que eu já me acostumei
Com a estrada errada
Que eu segui
E com a minha própria lei...

Tenho o que ficou
E tenho sorte até demais
Como sei que tens também...

sábado, 29 de junho de 2013

175 - Cecília Meireles: Não, já não falo de ti; Djavan: Samurai

Cecília muda de assunto, “não fala mais de ti...” Talvez as pálpebras pudessem inventar outros sonhos.  Djavan canta quanto querer cabe em um coração...

Cecília Meireles: NÃO: JÁ NÃO FALO DE TI

Não: já não falo de ti, já não sei de saudades.
Feche-se o coração como um livro, cheio de imagens,
de palavras adormecidas, em altas prateleiras,
até que o pó desfaça o pobre desespero sem força,
que um dia, pode ser, parece tão terrível. 

A aranha dorme em sua teia, lá fora, entre a roseira e o muro.
Resplandecem os azulejos- e tudo quanto posso ver.
O resto é imaginado, e não coincide, e é temerário
cismar. Talvez se as pálpebras pudessem
inventar outros sonhos, não de vida...

Ah! rompem-se na noite ardentes violas,
pelo ar e pelo frio subitamente roçadas.
Por onde pascerão, nestes céus invioláveis,
nossas perguntas com suas crinas de séculos arrastando-se...
Não só de amor a noite transborda mas de terríveis 
crueldades, loucuras, de homicídios mais verdadeiros. 

Os homens de sangue estão nas esquinas resfolegando,
e os homens da lei sonolentos movem letras
sobre imensos papéis que eles mesmos não entendem... 
Ah! que rosto amaríamos ver inclinar-se na aérea varanda?
Nem os santos podem mais nada. Talvez os anjos abstratos
da álgebra e da geometria.



Aaaaaiii...
Quanto querer
Cabe em meu coração..
Aaaaaiii...
Me faz sofrer
Faz que me mata
E se não mata fere...
Vaaaaiii...
Sem me dizer
Na casa da paixão...
Saaaaii...
Quando bem quer
Traz uma praga
E me afaga a pele..
Crescei, luar
Prá iluminar as trevas
Fundas da paixão...

Eu quis lutar
Contra o poder do amor
Cai nos pés do vencedor
Para ser o serviçal
De um samurai
Mas eu tô tão feliz!
Dizem que o amor
Atrai...

sexta-feira, 28 de junho de 2013

174 - Fernando Pessoa - Clearly Non-Campos!;Toquinho e Vinícius – Insensatez

Pessoa não sabe o que passa, mas “ao verde segue o seco, e ao seco o verde”. Toquinho e Vinícius falam da Insensatez...


Não sei qual é o sentimento, ainda inexpresso,
Que subitamente, como uma sufocação, me aflige
O coração que, de repente,
Entre o que se vive, se esquece.
Não sei qual é o sentimento
Que me desvia do caminho,
Que me dá de repente
Um nojo daquilo que seguia,
Uma vontade de nunca chegar a casa,
Um desejo de indefinido.
Um desejo lúcido de indefinido.

Quatro vezes mudou a ‘stação falsa
No falso ano, no imutável curso
Do tempo conseqüente;
Ao verde segue o seco, e ao seco o verde,
E não sabe ninguém qual é o primeiro,
Nem o último e acabam.




A insensatez que você fez
Coração mais sem cuidado
Fez chorar de dor
O seu amor
Um amor tão delicado
Ah, porque você foi fraco assim
Assim tão desalmado
Ah, meu coração que nunca amou
Não merece ser amado

Vai meu coração ouve a razão
Usa só sinceridade
Quem semeia vento, diz a razão
Colhe sempre tempestade
Vai, meu coração pede perdão
Perdão apaixonado
Vai porque quem não
Pede perdão
Não é nunca perdoado

quarta-feira, 26 de junho de 2013

173 - Lorca - Canção do dia que se vai; Altemar Dutra e Ângela Maria – Gente humilde

Lorca fala sobre o dia e as lembranças, e Chico, el letra sobre melodia de Garoto, fala desse povo simples, que vai apenas vivendo.

Lorca - Canção do dia que se vai

Que trabalho me custa
deixar-te ir, ó dia!
Vais-te cheio de mim,
voltas sem conhecer-me.

Que trabalho me custa
deixar sobre teu peito
possíveis realidades
de impossíveis minutos!

Pela tarde um Perseu
te lima as cadeias,
e foges sobre os montes
ferindo-te os pés.
Não podem seduzir-te
minha carne ou meu pranto,
nem os rios em que
a sesta de ouro dormes.

De Leste para Oeste
levo-te a luz redonda.
Teu fulgor que sustem
minha alma em tensão fina.
De Leste para Oeste,
que trabalho me custa
levar-te com teus pássaros
e teus braços de vento!


Tem certos dias
Em que eu penso em minha gente
E sinto assim
Todo o meu peito se apertar
Porque parece
Que acontece de repente
Como um desejo de eu viver
Sem me notar
Igual a como
Quando eu passo no subúrbio
Eu muito bem
Vindo de trem de algum lugar
E aí me dá
Como uma inveja dessa gente
Que vai em frente
Sem nem ter com quem contar

São casas simples
Com cadeiras na calçada
E na fachada
Escrito em cima que é um lar
Pela varanda
Flores tristes e baldias
Como a alegria
Que não tem onde encostar
E aí me dá uma tristeza
No meu peito
Feito um despeito
De eu não ter como lutar
E eu que não creio
Peço a Deus por minha gente
É gente humilde
Que vontade de chorar

terça-feira, 25 de junho de 2013

172 - Fernando Pessoa - De aqui a pouco acaba o dia; Legião Urbana – Tempo Perdido

Fala Pessoa “Também, que coisa é que faria?”  Mas Renato Russo manda simplesmente viver “Todos os dias quando acordo, não tenho mais o tempo que passou.”

Fernando Pessoa

De aqui a pouco acaba o dia.
Não fiz nada.
Também, que coisa é que faria?
Fosse o que fosse, estava errada.
De aqui a pouco a noite vem.
Chega em vão
Para quem como eu só tem
Para o contar o coração.
E após a noite a irmos dormir
Torna o dia.
Nada farei senão sentir.
Também que coisa é que faria?


Todos os dias quando acordo
Não tenho mais
O tempo que passou
Mas tenho muito tempo
Temos todo o tempo do mundo
Todos os dias
Antes de dormir
Lembro e esqueço
Como foi o dia
Sempre em frente
Não temos tempo a perder
Nosso suor sagrado
É bem mais belo
Que esse sangue amargo
E tão sério
E Selvagem! Selvagem!
Selvagem!
Veja o sol
Dessa manhã tão cinza
A tempestade que chega
É da cor dos teus olhos
Castanhos
Então me abraça forte
E diz mais uma vez
Que já estamos
Distantes de tudo
Temos nosso próprio tempo
Temos nosso próprio tempo
Temos nosso próprio tempo
Não tenho medo do escuro
Mas deixe as luzes
Acesas agora
O que foi escondido
É o que se escondeu
E o que foi prometido
Ninguém prometeu
Nem foi tempo perdido
Somos tão jovens

Tão Jovens! Tão Jovens!

segunda-feira, 24 de junho de 2013

171 - Walt Whitman – Oh Captain! My Captain; Gonzaguinha - Eu apenas queria que você soubesse

Walt Whitman, em um de seus poemas mais conhecidos, “Oh Captain, my captain”, conhecido pela citação e Sociedade dos Poetas Mortos. O capitão tombou, mas “O barco venceu todas as tormentas, o prêmio que perseguimos foi ganho; O porto está próximo, ouço os sinos, o povo todo exulta.” E Gonzaguinha lembra que “Eu apenas queria que você soubesse que aquela alegria ainda está comigo. E que a minha ternura não ficou na estrada, não ficou no tempo presa na poeira.” Os dois poemas valem para os amores... por uma mulher, por um país...
Walt Whitman – Oh Captain! My Captain.

O CAPTAIN! my Captain! our fearful trip is done;
The ship has weather'd every rack, the prize we sought is won;
The port is near, the bells I hear, the people all exulting,
While follow eyes the steady keel, the vessel grim and daring:
But O heart! heart! heart!
O the bleeding drops of red,
Where on the deck my Captain lies,
Fallen cold and dead.

2
O Captain! my Captain! rise up and hear the bells;
Rise up-for you the flag is flung-for you the bugle trills;
For you bouquets and ribbon'd wreaths-for you the shores a-crowding;
For you they call, the swaying mass, their eager faces turning;
Here Captain! dear father!
This arm beneath your head;
It is some dream that on the deck,
You've fallen cold and dead.

3
My Captain does not answer, his lips are pale and still;
My father does not feel my arm, he has no pulse nor will;
The ship is anchor'd safe and sound, its voyage closed and done;
From fearful trip, the victor ship, comes in with object won;
Exult, O shores, and ring, O bells!
But I, with mournful tread,
Walk the deck my Captain lies,
Fallen cold and dead.

Oh capitão! Meu capitão! nossa viagem medonha terminou;
O barco venceu todas as tormentas, o prêmio que perseguimos foi ganho;
O porto está próximo, ouço os sinos, o povo todo exulta,
Enquanto seguem com o olhar a quilha firme, o barco raivoso e audaz:
Mas oh coração! coração! coração!
Oh gotas sangrentas de vermelho,
No tombadilho onde jaz meu capitão,
Caído, frio, morto.
Oh capitão! Meu capitão! erga-see ouça os sinos;
Levante-se – por você a bandeira dança – por você tocam os clarins;
Por você buquês e fitas em grinaldas - por você a multidão na praia;
Por você eles clamam, a reverente multidão de faces ansiosas:
Aqui capitão! pai querido!
Este braço sob sua cabeça;
É algum sonho que no tombadilho
Você esteja caído, frio e morto.
Meu capitão não responde, seus lábios estão pálidos e silenciosos
Meu pai não sente meu braço, ele não tem pulsação ou vontade;
O barco está ancorado com segurança e inteiro, sua viagem finda, acabada;
De uma horrível travessia o vitorioso barco retorna com o almejado prêmio:
Exulta, oh praia, e toquem, oh sinos!
Mas eu com passos desolados,
Ando pelo tombadilho onde jaz meu capitão,
caído, frio, morto.

Eu apenas queria que você soubesse
Que aquela alegria ainda está comigo
E que a minha ternura não ficou na estrada
Não ficou no tempo presa na poeira
Eu apenas queria que você soubesse
Que esta menina hoje é uma mulher
E que esta mulher é uma menina
Que colheu seu fruto flor do seu carinho
Eu apenas queria dizer a todo mundo que me gosta
Que hoje eu me gosto muito mais
Porque me entendo muito mais também
E que a atitude de recomeçar é todo dia toda hora
É se respeitar na sua força e fé
E se olhar bem fundo até o dedão do pé
Eu apenas queira que você soubesse
Que essa criança brinca nesta roda
E não teme o corte de novas feridas
Pois tem a saúde que aprendeu com a vida
Eu apenas queria que você soubesse
Que aquela alegria ainda está comigo
E que a minha ternura não ficou na estrada
Não ficou no tempo presa na poeira
Eu apenas queria que você soubesse
Que esta menina hoje é uma mulher
E que esta mulher é uma menina
Que colheu seu fruto flor do seu carinho

Eu apenas queria dizer a todo mundo que me gosta
Que hoje eu me gosto muito mais
Porque me entendo muito mais também

domingo, 23 de junho de 2013

170 - Paulo Leminski: Parada cardíaca; Ney Matogrosso: Rosa de Hiroshima

Paulo Leminski e as emoções que vem de dentro. Mais uma vez nesses tempos de manifestações, uma reflexão: Rosa de Hiroshima... em que devemos pensar?

Paulo Leminski - Parada cardíaca

Essa minha secura
essa falta de sentimento
não tem ninguém que segure,
vem de dentro.
Vem da zona escura
donde vem o que sinto.
Sinto muito,
sentir é muito lento.



Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas, oh, não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa, sem nada

sábado, 22 de junho de 2013

169 - Vinícius de Moraes - Soneto do amor total

Ontem recebi a notícia que minha irmã Helen e sua companheira Maria Eliana, juntas há mais de dez anos, resolveram, à luz da nova lei, casarem-se, notícia que me deixou muito feliz e orgulhoso. Ao novo (antigo) casal, toda a felicidade do mundo. O que forma um casal é a cumplicidade, o carinho e o amor, e isso as duas sempre demonstraram. Estou ansiosamente esperando a cerimônia e a festa... Ás duas o blog de hoje, com Vinícius de Moraes e o Soneto do Amor Total.

Vinícius de Moraes - Soneto do Amor Total

Amo-te tanto, meu amor ... não cante
O humano coração com mais verdade ...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.



terça-feira, 18 de junho de 2013

168 - Drummond - Verdade; Elis Regina: O bêbado e a equilibrista

Nesse momento de manifestações, Drummond comneta que a verdade tem sempre dois lados. É importante percebermos isso e tentarmos encontrar o caminho do meio... E lembrar de João Bosco e Aldir Blanc, cantados lindamente por Elis Regina, em “O bêbado e a equilibrista”... uma letra feita no tempo da ditadura, que além de ser intrinsicamente bela, relata um desejo de mudança. Vale uma leitura e uma reflexão atenta.

Drummond - Verdade

A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.

Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
Me lembrou Carlitos...
A lua
Tal qual a dona do bordel
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel
E nuvens!
Lá no mata-borrão do céu
Chupavam manchas torturadas
Que sufoco!
Louco!
O bêbado com chapéu-coco
Fazia irreverências mil
Prá noite do Brasil.
Meu Brasil!...
Que sonha com a volta
Do irmão do Henfil.
Com tanta gente que partiu
Num rabo de foguete
Chora!
A nossa Pátria
Mãe gentil
Choram Marias
E Clarisses
No solo do Brasil...
Mas sei, que uma dor
Assim pungente
Não há de ser inutilmente
A esperança...
Dança na corda bamba
De sombrinha
E em cada passo
Dessa linha
Pode se machucar...

Azar!
A esperança equilibrista
Sabe que o show
De todo artista
Tem que continuar...

segunda-feira, 17 de junho de 2013

167 - Carmen Alcântara: Insanidade; Caetano Veloso: Sampa

Como diz a poetisa... lucidez pra que. Em homenagem à poetisa, Sampa, de Caetano Veloso.

Carmen Alcântara - Insanidade


Eu vou vagando na irrealidade,
vou caminhando em névoas de vapor,
quero segui-lo pela eternidade
acompanhá-lo seja aonde for.

Serei maluca por amá-lo tanto?
Serei insana por quere-lo assim?
Mas sou feliz nessa insanidade,
quero sempre você perto de mim.

Nesse passeio entre a irrealidade
e a realidade de amar você,
meu coração e mente estão tomados

por sua imagem,e nessa insensatez
jamais na vida irei querer de novo
recuperar a minha lucidez!


Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João
É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta de tuas meninas
Ainda não havia para mim Rita Lee
A tua mais completa tradução
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João
Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho
E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
Nada do que não era antes quando não somos Mutantes
E foste um difícil começo
Afasta o que não conheço
E quem vem de outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso
Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva
Pan-Américas de Áfricas utópicas, túmulo do samba
Mais possível novo quilombo de Zumbi
E os novos baianos passeiam na tua garoa
E novos baianos te podem curtir numa boa

domingo, 16 de junho de 2013

166 - Lorca: Ao ouvido de uma moça; Maria Betânia: Olhos no olhos

Lorca tem razão – não quis dizer-te nada, e nos teus olhos vi duas arvorezinhas loucas. Nem concordo tanto com Chico...  para que os “olhos nos olhos”? Afinal, se acabou, pra que ficar pensando em como seria um reencontro, e querer se mostrar feliz... se acabou, acabou. A menos que tenha acabado super bem e reste uma grande amizade...  mas não parece ser o caso da canção.

Lorca - Ao ouvido de uma moça

Não quis.
Não quis dizer-te nada.

Vi em teus olhos
duas arvorezinhas loucas.
De brisa, de riso e de ouro.

Meneavam-se.
Não quis.

Não quis dizer-te nada.


Quando você me deixou, meu bem,
Me disse pra ser feliz e passar bem.
Quis morrer de ciúme, quase enlouqueci,
Mas depois, como era de costume, obedeci.
Quando você me quiser rever
Já vai me encontrar refeita, pode crer.
Olhos nos olhos,
Quero ver o que você faz
Ao sentir que sem você eu passo bem demais
E que venho até remoçando,
Me pego cantando, sem mais, nem por quê.
Tantas águas rolaram,
Quantos homens me amaram
Bem mais e melhor que você.

Quando talvez precisar de mim,
Cê sabe que a casa é sempre sua, venha sim.
Olhos nos olhos,
Quero ver o que você diz.
Quero ver como suporta me ver tão feliz.

sábado, 15 de junho de 2013

165 - Fernando Pessoa: Vão breves passando; Gilberto Gil: Super homem

Fernando Pessoa falando em ser qual quero eu ser... e Gil falando em ser um super homem, tendo a coragem de ser como gostaria.

Fernando Pessoa

Vão breves passando
Os dias que tenho.
Depois de passarem
Já não os apanho.

De aqui a tão pouco
Ainda acabou.
Vou ser um cadáver
Por quem se rezou.

E entre hoje e esse dia
Farei o que fiz:
Ser qual quero eu ser,
Feliz ou infeliz.
..


Um dia vivi a ilusão de que ser homem bastaria
Que o mundo masculino tudo me daria
Do que eu quisesse ter
Que nada, minha porção mulher que até então se resguardara
É a porção melhor que trago em mim agora
É o que me faz viver
Quem dera pudesse todo homem compreender, ó mãe, quem dera
Ser o verão no apogeu da primavera
E só por ela ser
Quem sabe o super-homem venha nos restituir a glória
Mudando como um Deus o curso da história
Por causa da mulher

Quem sabe o super-homem venha nos restituir a glória
Mudando como um deus o curso da história
Por causa da mulher

sexta-feira, 14 de junho de 2013

164 - Paulo Leminski Não discuto; Ney Matogrosso: O mundo é um moinho

Se Paulo Leminski fala que assina o que o destino trouxer, Cartola em “O mundo é um moinho” leva isso ao extremo. A letra é um conselho à filha, que havia decidido trabalhar como prostituta... Ele como pai não concordava, mas não reprimia... apenas aconselhava. Sorte nossa que ganhamos essa pérola da MPB, hoje na interpretação de Ney Matogrosso.

Paulo Leminski - Não discuto

não discuto
com o destino
o que pintar
eu assino


Ainda é cedo, amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar
Preste atenção, querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és
Ouça-me bem, amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho
Vai reduzir as ilusões a pó

Preste atenção, querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com os teus pés

quinta-feira, 13 de junho de 2013

163 - Lorca: Claro de relógio; Gilberto Gil: Esperando na janela

Lorca espera o tempo, e Gil espera na janela...

Lorca - Claro de relógio

Sentei-me
num claro do tempo.
Era um remanso
de silêncio,
de um branco silêncio,
anel formidável
onde os luzeiros
se chocavam com os doze flutuantes
números negros.


Ainda me lembro do seu caminhar
Seu jeito de olhar, eu me lembro bem
Fico querendo sentir o seu cheiro
É daquele jeito que ela tem
O tempo todo eu fico feito tonto
Sempre procurando, mas ela não vem
E esse aperto no fundo do peito
Desses que o sujeito não pode aguentar, ah
E esse aperto aumenta meu desejo
Eu não vejo a hora de poder lhe falar
Por isso eu vou na casa dela, ai, ai
Falar do meu amor pra ela, vai
Tá me esperando na janela, ai, ai
Não sei se vou me segurar
Ainda me lembro do seu caminhar
Seu jeito de olhar, eu me lembro bem
Fico querendo sentir o seu cheiro
É daquele jeito que ela tem
O tempo todo eu fico feito tonto
Sempre procurando, mas ela não vem
E esse aperto no fundo do peito
Desses que o sujeito não pode aguentar, ah
E esse aperto aumenta meu desejo
Eu não vejo a hora de poder lhe falar

Por isso eu vou na casa dela, ai, ai
Falar do meu amor pra ela, vai
Tá me esperando na janela, ai, ai
Não sei se vou me segurar

terça-feira, 11 de junho de 2013

162 - Álvaro Pacheco: Percepções; Gonzaguinha: O que é, o que é

O que será que percebemos, qual o sentido das coisas e da vida? Gonzaguinha diz que “é bonita, é bonita e é bonita...”

Álvaro Pacheco - Percepções

Qual é o sentido das flores
e que sentido haverá
no subterrâneo das águas ?
 
Que sentido poremos
nos elementos da vida
que desconhecem o sentido ?
 
Que sentido têm as abelhas
e o sol que as fecunda
indicando-lhes as flores ?
 
Que sentido o som
que alimenta as nuvens dos ventos
e se despenca das tempestades ?
 
Que sentido, por acaso,
terão estas percepções ?


Eu fico
Com a pureza
Da resposta das crianças
É a vida, é bonita
E é bonita...

Viver!
E não ter a vergonha
De ser feliz
Cantar e cantar e cantar
A beleza de ser
Um eterno aprendiz...
Ah meu Deus!
Eu sei, eu sei
Que a vida devia ser
Bem melhor e será
Mas isso não impede
Que eu repita
É bonita, é bonita
E é bonita...
E a vida!
E a vida o que é?
Diga lá, meu irmão
Ela é a batida
De um coração
Ela é uma doce ilusão
Hê! Hô!...
E a vida
Ela é maravilha
Ou é sofrimento?
Ela é alegria
Ou lamento?
O que é? O que é?
Meu irmão...
Há quem fale
Que a vida da gente
É um nada no mundo
É uma gota, é um tempo
Que nem dá um segundo...
Há quem fale
Que é um divino
Mistério profundo
É o sopro do criador
Numa atitude repleta de amor...
Você diz que é luta e prazer
Ele diz que a vida é viver
Ela diz que melhor é morrer
Pois amada não é
E o verbo é sofrer...
Eu só sei que confio na moça
E na moça eu ponho a força da fé
Somos nós que fazemos a vida
Como der, ou puder, ou quiser...
Sempre desejada
Por mais que esteja errada
Ninguém quer a morte
Só saúde e sorte...

E a pergunta roda
E a cabeça agita
Eu fico com a pureza
Da resposta das crianças
É a vida, é bonita
E é bonita..
.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

161 - Walt Whitman: Esta manhã; MPB4 e Quarteto em Cy: A estrada e o violeiro

Passado esse tempo a que me referi no blog de ontem, é hora de não mais virar a página, mas de jogar fora o livro. Às vezes a gente se prende nem tanto a querer a pessoa perto, mas a não querer se afastar do sentimento que um dia nos fez tão bem. Acontece que por vezes nos apaixonamos mais pela sensação de estar apaixonado do que pelo próprio objeto da paixão.  Ao olhar o céu, como disse Walt Whitman, “uma vez alcançados esses mundos prosseguiremos no caminho.” E depois Sidney Miller, nessa linda versão pelo MPB4 fazendo a voz do violeiro e o Quarteto em Cy fazendo a voz da estrada, mostra o diálogo entre a estrada que leva o violeiro e o violeiro que anda pela estrada. Convém prestar atenção:
“Guarde sempre na lembrança que esta estrada não é sua
Sua vista pouco alcança, mas a terra continua
Segue em frente, violeiro, que eu lhe dou a garantia
De que alguém passou primeiro na procura da alegria
Pois quem anda noite e dia sempre encontra um companheiro.”

Walt Whitman

Esta manhã, antes do alvorecer, subi numa colina para admirar o céu povoado,
E disse à minha alma: Quando abarcarmos esses mundos e o conhecimento e o prazer que encerram, estaremos finalmente fartos e satisfeitos?
E minha alma disse: Não, uma vez alcançados esses mundos prosseguiremos no caminho.


Sou violeiro caminhando só, por uma estrada caminhando só
Sou uma estrada procurando só levar o povo pra cidade só
Parece um cordão sem ponta, pelo chão desenrolado
Rasgando tudo que encontra, a terra de lado a lado
Estrada de Sul a Norte, eu que passo, penso e peço
Notícias de toda sorte, de dias que eu não alcanço
De noites que eu desconheço, de amor, de vida e de morte
Eu que já corri o mundo cavalgando a terra nua
Tenho o peito mais profundo e a visão maior que a sua
Muita coisa tenho visto nos lugares onde eu passo
Mas cantando agora insisto neste aviso que ora faço
Não existe um só compasso pra contar o que eu assisto
Trago comigo uma viola só, para dizer uma palavra só
Para cantar o meu caminho só, porque sozinho vou à pé e pó
Guarde sempre na lembrança que esta estrada não é sua
Sua vista pouco alcança, mas a terra continua
Segue em frente, violeiro, que eu lhe dou a garantia
De que alguém passou primeiro na procura da alegria
Pois quem anda noite e dia sempre encontra um companheiro
Minha estrada, meu caminho, me responda de repente
Se eu aqui não vou sozinho, quem vai lá na minha frente?
Tanta gente, tão ligeira, que eu até perdi a conta
Mas lhe afirmo, violeiro, fora a dor que a dor não conta
Fora a morte quando encontra, vai na frente um povo inteiro
Sou uma estrada procurando só levar o povo pra cidade só
Se meu destino é ter um rumo só, choro em meu pranto é pau, é pedra, é pó
Se esse rumo assim foi feito, sem aprumo e sem destino
Saio fora desse leito, desafio e desafino
Mudo a sorte do meu canto, mudo o Norte dessa estrada
Em meu povo não há santo, não há força, não há forte
Não há morte, não há nada que me faça sofrer tanto
Vai, violeiro, me leva pra outro lugar
Eu também quero um dia poder levar
Toda gente que virá
Caminhando, procurando
Na certeza de encontrar

domingo, 9 de junho de 2013

160 - Marcelo: 8 poemas; Keith Jarret e Jan Garbarek: My Song

Hoje faz um ano... um dia muito, muito, muito feliz... e uma noite muito, muito, muito triste... O que era para ser um lindo começo foi na realidade o começo do fim... do fim de um sonho bom. E depois não consegui sonhar mais. Hoje não um poema, mas os oito que fiz falando de um sonho, de suas alegrias e dificuldades. Minha linda, só resta o sonho que você seja feliz. Para ouvir, lendo os poemas, My Song, de Keith Jarret. Instrumental, porque para certas coisas não há palavras...


Não quero teu corpo nu
Para sobre ele passear minhas mãos,
E com línguas entrelaçadas buscarmos o prazer
Que some como a fumaça doce do incenso
                                                         
Quero tua alma nua
Livre de amarras e correntes
Seu riacho percorrendo por entre as árvores
O caminho que leva à paz do meu mar

Nesse momento de encontro
Duas águas se fundem em um infinito desvanecer
Corpos e almas nus, perdidos e achados,

Pronuncio, linda, teu nome
O sol explode suas luzes
E nascem o mundo, a lua e as estrelas.

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Meses sem fim te procurei
Qual pássaro buscando o alimento,
Escondido, qual semente caprichosa,
Na macieira que não queria dar fruto.

Vezes sem fim persegui
O doce aroma da maçã.
Sempre falsa pista perseguida,
O mundo continuava sem pão.

Insistente, o pássaro viajante
Bicou outra fruta aromática,
Mas nada havia na polpa.

Peras, uvas, laranjas rejeitou.
E faminto o teimoso continua
Rodeado de frutas sem gosto.

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Teus olhos em mim percebi,
Sorriso fugaz pleno de promessas
Meu giz já não escrevia sozinho,
Teu cheiro invadia-me as narinas.

Não percebestes, bem amada,
Que já parte de mim roubaras.
E por dois anos plúmbeos,
Os ipês perderam as cores.

De repente, tua risada retorna,
Acompanhada, qual engaiolada cotovia.
Mas o canto ultrapassava as montanhas,

E um certo coração, seco como Brasília em junho,
Rejubilou-se, cantou e desabrochou
Como a verde grama nas águas de setembro.

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Tua presença vaga pela minha alma,
Muda boneca de frágil porcelana.
Na noite fria dormitam os trens,
Seu silêncio ecoa na longa madrugada.

Até quando tua ausência será minha companhia?
Meia vida, meia pera, meia uva, meia maçã?
Os gatos noturnos passeiam pela noite,
A manhã anseia pelo seu riso.

Por breve momento o sono vence.
Cheia de vida, a boneca ganha vida.
E minha alma se aconchega em seu calor.

O rude frio da madrugada me acorda.
Quebra-se a breve ilusão:
Restam-me nas mãos os cacos e a serragem.

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Linda mulher, o que machucou teu coração?
Teu corpo e teus olhos dizem sim: tua boca diz não.
Mais uma vez, em ti quer o amor fazer morada.
O frio vento do medo tenta derrubar as paredes.

Ontem, entre risotos e vinhos, rosas e chocolates
Seus olhos mais uma vez habitaram meu pensamento
Chegada é a hora de queimar a ponte da angústia,
E corajosamente atravessar o ponto sem volta.

Vamos pular juntos dessa ponte em chamas
Nas águas perigosas do rio da paixão
Vamos nadar entre corredeiras e redemoinhos

E descobrir o que existe após a curva do rio:
Cachoeiras e remansos, para sempre escondidos,
Dos covardes que observam das margens.

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Pela terceira vez recebo de ti
Mensagem dizendo que sentes saudades
De nossas conversas e momentos juntos
Que encantaram o ano que se finda.

Sinto também saudades de você,
Mas menos dos momentos que passaram.
Sinto saudades do próximo ano,
Que nem vivi e já me é tão caro.

Viveremos nele um grande amor,
Ou apenas a saudade do que poderia ter sido?
Vencerá o medo de machucar o coração

Ou a loucura aventureira de jogar-se na paixão?
Recordaremos, juntos, a saudade de um ano mágico
Ou, separados, a saudade do amor não vivido?

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Céu e inferno, que atalhos os ligam?
Quão próximos estão para os que amam?
Às portas do céu, vi-me, qual Lúcifer destronado
Desolado no inferno da solidão e da angústia.

No momento mais cruel,
Seu olhar amoroso apareceu mais forte
E lembrou-me de trazer-te os chocolates,
Doce esperança do seu amor

Dúvidas e medos irão sumir com o vento
E curar-nos da angústia e da dor.
Irá nosso amor espalhar seus aromas

Ou o medo de não arriscar ser feliz secar a terra?
Possam os deuses nos iluminarem nesse momento
E nos livrarem do remorso no futuro insondável.

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Em ti encontrei a beleza das coisas simples
Que brilham no fundo do seu olhar
Senti alegrias que invadiram a minha alma,
E tristezas que machucaram o coração.

Mas nada é perfeito, menos ainda o amor
Não busco no mundo minha metade ideal,
Mas alguém como você, com defeitos e qualidades
Que juntos com os meus irão se tornar companheiros

Cozinha, música, estudo, segredos,
Zoológico, chácara, risos e choros
Estiveram conosco nesses meses loucos

Não é muito o que espero de ti vida afora,
Apenas a alegria de sua companhia, para juntos
Continuarmos a gozar o prazer das coisas simples

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