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sábado, 16 de fevereiro de 2013

47 - Fernando Pessoa: Vai alta no céu a lua da primavera; O amor é uma companhia; Marcelo: Linda mulher,o que machucou seu coração; Caetano Veloso, Tim Maia: Sozinho


Hoje não um mas dois poemas de Fernando Pessoa. Não conseguia me decidir, então fiquei com os dois. E acrescento um terceiro, de minha própria autoria.  e uma reflexão, um desejo, uma ausência que é presença, mas que está deixando de ser presença para ser só ausência... 

Os dois poemas de Pessoa falam do desejo ardente de um amor. "Penso em ti e dentro de mim estou completo... Penso em ti, murmuro o teu nome; e não sou eu: sou feliz." Aqui Pessoa nos mostra o amor em si... aquele em que o objeto amado, mesmo que presente apenas em pensamento, preenche o nosso coração. E nesse momento, "não sou eu: sou feliz". A felicidade existe apenas por lembrar, por sentir a presença da pessoa. "Uma ausência que é tua presença", como disse em um poema meu que publiquei outro dia.
Mas um pouco à frente Pessoa mostra que isso apenas não lhe é suficiente... "Amanhã virás, andarás comigo a colher flores pelo campo." Andar comigo a colher flores... o que mais alguém poderia desejar? "Pois quando vieres amanhã e andares comigo no campo a colher flores, Isso será uma alegria e uma verdade para mim." E a presença desse amanhã preenche os dias... e o amanhã torna-se um outro amanhã, outro amanhã, outro amanhã... nos olhos de alguém que não vem... e a Serra da Boa Esperança vai ficando mais longe...



Vai alta no céu a lua da Primavera
Penso em ti e dentro de mim estou completo.
Corre pelos vagos campos até mim 
uma brisa ligeira.
Penso em ti, murmuro o teu nome; 
e não sou eu: sou feliz.



Amanhã virás, andarás comigo a colher flores pelo campo,
E eu andarei contigo pelos campos ver-te colher flores.
Eu já te vejo amanhã a colher flores comigo pelos campos,
Pois quando vieres amanhã e andares comigo no campo a colher flores, 
Isso será uma alegria e uma verdade para mim.


E nesse amanhã que vira amanhã que vira amanhã... "O amor é uma companhia..." e o desejo da presença dela, que não vem, é substituído pela presença desse amor... que enche o tempo, que preenche os espaços, que completa a alma. Ela, mesma, não vem. E "mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo"... e nessa presença que é plena de ausência, "toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio". E o girassol vai acompanhando a luz... seguindo os movimentos, e a cara dela no meio, como um doce fantasma, segue os nossos passos, sempre presente, sempre ausente, sempre, sempre...

O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.

Mas esse girassol um dia começa a cansar de girar... e o desejo de ir colher as flores, que já começam a murchar, já que "Vai alta no céu a lua da Primavera", começa a aumentar, e essa ausência que é presença começa a se transformar em ausência que é apenas ausência... Ausência da presença, ausência da coragem, ausência de jogar-se, de arriscar, de ferir-se e de lamber as feridas... Ah, a vontade de machucar-se mais que a segurança de ficar protegido. Nesse momento, aparece o desejo de uma decisão... a ausência não mais preenche o espaço das flores que não foram colhidas. E nesse momento, permito-me modestamente acompanhar Pessoa com outro dos poemas de minha autoria...

Linda mulher, o que machucou teu coração?
Teu corpo e teus olhos dizem sim: tua boca diz não.
Mais uma vez, em ti quer o amor fazer morada.
O frio vento do medo tenta derrubar as paredes.

Ontem, entre risotos e vinhos, rosas e chocolates
Seus olhos mais uma vez habitaram meu pensamento
Chegada é a hora de queimar a ponte da angústia,
E corajosamente atravessar o ponto sem volta.

Vamos pular juntos dessa ponte em chamas
Nas águas perigosas do rio da paixão
Vamos nadar entre corredeiras e redemoinhos

E descobrir o que existe após a curva do rio:
Cachoeiras e remansos, para sempre escondidos,
Dos covardes que observam das margens.


O frio vento do medo não permite que se queime a ponte da angústia. Ausências que sempre nos prendem no cais, e nos impedem de atirar-nos no rio da paixão. O convite não é aceito... E os covardes que observam das margens começam a me olhar... e seu olhar cortante cada vez  mais me incomoda, me dói... e chega a hora em que, qual o poeta neurastênico que pula do navio, pula-se na água... não do rio da paixão, mas de um outro rio... da solidão, do medo, da insegurança. E ao pular, olha que pulou só... e que o seu amor ficou observando na margem enquanto o rio te enleva. E a imagem daquele amor, a te observar covardemente da margem a se afastar, passa da ausência que é presença a ausência que é ausência, a ausência, ausênci... ausênc... ausên... ausê... aus... au... a... ... ... ... E nas cachoeiras e remansos escondidos de quem ficou na margem, a esperança de algo novo começa a crescer, novas paisagens, novas primaveras, novas flores... 

Ao pular no rio, num último desejo de viver a presença, o amante recorre a Caetano Veloso ou a Tim Maia, na música de Peninha... "Às vezes no silêncio da noite, eu fico imaginando nós dois"... Mas esse imaginar já não satisfaz... O medo do rio clama por companhia "Tô me sentindo muito sozinho..." O pensamento já não basta... Olha para a margem e onde está ela? "Porque você me esquece e some? E se eu me interessar por alguém?" Quem será que estará após a curva do rio? Alguém? Ninguém? Quem? Talvez a conclusão inevitável apareça... "Ou você me engana ou não está madura... Onde está você agora?" E a maturidade não está em ser racional, mas em ser um pouco louco... "Mais louco é quem me diz... e não é feliz... eu sou feliz" e nessa loucura que é ser racional, finalmente ele se joga... e seus gritos de vem comigo ficam cada vez mais longe, mais longe, mais longe... E o olhar vai se distanciando... aparece a curva do rio... um último olhar antes do absoluto nada é trocado... e começam lentamente a aparecer nas margens a esperança das novas flores.

Peninha - Sozinho


Às vezes no silêncio da noite
Eu fico imaginando nós dois
Eu fico ali sonhando acordado
Juntando o antes, o agora e o depois
Por que você me deixa tão solto?
Por que você não cola em mim?
Tô me sentindo muito sozinho
Não sou nem quero ser o seu dono
É que um carinho às vezes cai bem
Eu tenho os meus desejos e planos secretos
Só abro pra você mais ninguém
Por que você me esquece e some?
E se eu me interessar por alguém?
E se ela, de repente, me ganha?
Quando a gente gosta
É claro que a gente cuida
Fala que me ama
Só que é da boca pra fora
Ou você me engana
Ou não está madura
Onde está você agora?
Quando a gente gosta
É claro que a gente cuida
Fala que me ama
Só que é da boca pra fora
Ou você me engana
Ou não está madura
Onde está você agora?

Ouça a música nos links abaixo:

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