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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

46 - Fernando Pessoa: Meto-me para dentro, e fecho a janela; Sílvio Caldas: No rancho fundo

Fernando Pessoa quer o sossego de sentir a vida correr

Meto-me para dentro, e fecho a janela.
Trazem o candeeiro e dão as boas-noites.
E a minha voz contente dá as boas-noites.
Oxalá a minha vida seja sempre isto:
O dia cheio de sol, ou suave de chuva,
Ou tempestuoso como se acabasse o Mundo,
A tarde suave e os ranchos que passam
Fitados com interesse da janela,
O último olhar amigo dado ao sossego das árvores,
E depois, fechada a janela, o candeeiro aceso,
Sem ler nada, sem pensar em nada, nem dormir,
Sentir a vida correr por mim como um rio por seu leito,
E lá fora um grande silêncio como um deus que dorme.

Música
Ary Barroso, em No rancho fundo, bem pra lá do fim do mundo, não é longe o bastante para esquecer da morena... na versão clássica de Sílvio Caldas.
No rancho fundo
Bem prá lá do fim do mundo
Onde a dor e a saudade
Contam coisas da cidade...
No rancho fundo
Bem prá lá do fim do mundo
Um moreno canta as mágoas
Tendo os olhos rasos d'água...
Pobre moreno
Que de noite no sereno
Espera a lua no terreiro
Tendo um cigarro
Por companheiro...
Sem um aceno
Ele pega na viola
E a lua por esmola
Vem pro quintal
Desse moreno...
No rancho fundo
Bem prá lá do fim do mundo
Nunca mais houve alegria
Nem de noite, nem de dia...
Os arvoredos
Já não contam
Mais segredos
E a última palmeira
Já morreu na cordilheira...
Os passarinhos
Internaram-se nos ninhos
De tão triste esta tristeza
Cobre de trevas a natureza...
Tudo por que
Só por causa do moreno
Que era grande, hoje é pequeno
Para uma casa de sapê...
Se uma flor desabrocha
E o sol queima
A montanha vai gelando
Lembra o cheiro
Da morena.
Ouça a música no link abaixo:
Sílvio Caldas - No rancho fundo

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

45 - Fernando Pessoa: O vôo da ave; Caetano Veloso: Você não me ensinou a te esquecer

Fernando Pessoa querendo esquecer os rastros que a vida e os amores deixam “... o que não serve para nada.” Não concordo... posso esquecer o que me deixou triste, mas nunca o que me fez feliz... Por mais que isso doa de vez em quando, lembro de alguém que me deixou muito feliz...

Antes o vôo da ave, que passa e não deixa rasto,
Que a passagem do animal, que fica lembrada no chão.
A ave passa e esquece, e assim deve ser.
O animal, onde já não está e por isso de nada serve,
Mostra que já esteve, o que não serve para nada

A recordação é uma traição à Natureza,
Porque a Natureza de ontem não é Natureza.
O que foi não é nada, e lembrar é não ver.

Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!



Música

Caetano Veloso querendo esquecer... mas na realidade não querendo... e ainda apaixonado “Agora, que faço eu da vida sem você? Você não me ensinou a te esquecer... você só me ensinou a te querer...”

Não vejo mais você faz tanto tempo
Que vontade que eu sinto
De olhar em seus olhos, ganhar seus abraços
É verdade, eu não minto
E nesse desespero em que me vejo
Já cheguei a tal ponto
De me trocar diversas vezes por você
Só pra ver se te encontro
Você bem que podia perdoar
E só mais uma vez me aceitar
Prometo agora vou fazer por onde nunca mais perdê-la
Agora, que faço eu da vida sem você?
Você não me ensinou a te esquecer
Você só me ensinou a te querer
E te querendo eu vou tentando te encontrar
Vou me perdendo
Buscando em outros braços seus abraços
Perdido no vazio de outros passos
Do abismo em que você se retirou
E me atirou e me deixou aqui sozinho
Agora, que faço eu da vida sem você?
Você não me ensinou a te esquecer
Você só me ensinou a te querer
e te querendo eu vou tentando me encontrar
E nesse desespero em que me vejo
já cheguei a tal ponto
de me trocar diversas vezes por você
só pra ver se te encontro
Você bem que podia perdoar
E só mais uma vez me aceitar
Prometo agora vou fazer por onde nunca mais perdê-la
Agora, que faço eu da vida sem você?
Você não me ensinou a te esquecer
Você só me ensinou a te querer
E te querendo eu vou tentando te encontrar
Vou me perdendo
Buscando em outros braços seus abraços
Perdido no vazio de outros passos
Do abismo em que você se retirou
E me atirou e me deixou aqui sozinho
Agora, que faço eu da vida sem você?
Você não me ensinou a te esquecer
Você só me ensinou a te querer
e te querendo eu vou tentando te encontrar
Vou me perdendo
Buscando em outros braços seus abraços
Perdido no vazio de outros passos
Do abismo em que você se retirou
E me atirou e me deixou aqui sozinho
Agora, que faço eu da vida sem você?
Você não me ensinou a te esquecer
Você só me ensinou a te querer
E te querendo eu vou tentando me encontrar

Ouça a música no link abaixo.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

44 - Fernando Pessoa: Quem me dera que eu fosse o pó da estrada; Caetano Veloso: Felicidade

Fernando Pessoa, com pena de si... esquecendo-se de contar as coisas boas e se lembrando do que sofreu... é a velha história do copo meio cheio ou meio vazio...

Quem me dera que eu fosse o pó da estrada
E que os pés dos pobres me estivessem pisando...
Quem me dera que eu fosse os rios que correm
E que as lavadeiras estivessem à minha beira...
Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio
E tivesse só o céu por cima e a água por baixo…
Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
E que ele me batesse e me estimasse...
Antes isso que ser o que atravessa a vida
Olhando para trás de si e tendo pena…


Música

Caetano Veloso interpretando Felicidade, de Lupiscínio Rodrigues... como voa o pensamento, então é melhor lembrar das coisas boas, e não ter pena de ter vivido algo bom.

Felicidade foi se embora
E a saudade no meu peito ainda mora
E é por isso que eu gosto lá de fora
Porque sei que a falsidade não vigora
A minha casa fica lá de traz do mundo
Onde eu vou em um segundo quando começo a cantar
O pensamento parece uma coisa à toa
mas como é que a gente voa quando começa a pensar

Ouça a música no link abaixo:

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

43 - Fernando Pessoa: O meu olhar é nítido como um girassol; Caetano Veloso: Luz do sol


Pessoa - amando a Natureza.

O meu olhar é nítido como um girassol. 
Tenho o costume de andar pelas estradas 
Olhando para a direita e para a esquerda, 
E de, vez em quando olhando para trás... 
E o que vejo a cada momento 
É aquilo que nunca antes eu tinha visto, 
E eu sei dar por isso muito bem... 
Sei ter o pasmo essencial 
Que tem uma criança se, ao nascer, 
Reparasse que nascera deveras... 
Sinto-me nascido a cada momento 
Para a eterna novidade do Mundo... 

Creio no mundo como num malmequer, 
Porque o vejo. Mas não penso nele 
Porque pensar é não compreender... 
O Mundo não se fez para pensarmos nele 
(Pensar é estar doente dos olhos) 
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo... 

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos... 
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é, 
Mas porque a amo, e amo-a por isso, 
Porque quem ama nunca sabe o que ama 
Nem sabe por que ama, nem o que é amar... 
Amar é a eterna inocência, 
E a única inocência não pensar...

Música

Caetano Veloso e seu libelo à Natureza.

Luz do sol
Que a folha traga e traduz
Em ver denovo
Em folha, em graça
Em vida, em força, em luz...
Céu azul
Que venha até
Onde os pés
Tocam a terra
E a terra inspira
E exala seus azuis...
Reza, reza o rio
Córrego pro rio
Rio pro mar
Reza correnteza
Roça a beira
A doura areia...
Marcha um homem
Sobre o chão
Leva no coração
Uma ferida acesa
Dono do sim e do não
Diante da visão
Da infinita beleza...
Finda por ferir com a mão
Essa delicadeza
A coisa mais querida
A glória, da vida...
Luz do sol
Que a folha traga e traduz
Em ver de novo
Em folha, em graça
Em vida, em força, em luz...
Reza, reza o rio
Córrego pro rio
Rio pro mar
Reza correnteza
Roça a beira
A doura areia...
Marcha um homem
Sobre o chão
Leva no coração
Uma ferida acesa
Dono do sim e do não
Diante da visão
Da infinita beleza...
Finda por ferir com a mão
Essa delicadeza
A coisa mais querida
A glória, da vida...
Luz do sol
Que a folha traga e traduz
Em ver de novo
Em folha, em graça
Em vida, em força, em luz...
Ouça a música no link abaixo:
Caetano Veloso: Luz do sol

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

42 - Fernando Pessoa - A Outra; Juca Chaves: A Cúmplice


Fernando Pessoa, em A Outra, fala da vontade que temos de ter uma amante, que seja tudo que se quer... mas termina com o desejo de que essa outra seja A Única, a mulher amada, a mesma de sempre, que ela possa se reinventar a cada momento, e mesmo sendo aquela que sempre está ao nosso lado, possa sempre ser A Outra... E para que A Outra seja sempre A Única, uma outra descrição da mulher que qualquer homem deseja é feita por Juca Chaves, em A Cúmplice... "Eu quero uma mulher que seja diferente, de todas que eu já tive, todas tão iguais... de dia uma menina, de noite uma mulher..." Se as mulheres não tivessem vergonhas bobas de serem simplesmente mulheres e nem os homens de ser homens, o mundo teria muito mais casais felizes.  Raramente nessas postagens uma poesia e uma música se completam tão bem...

A outra

Amamos sempre no que temos
O que não temos quando amamos.
O barco pára, largo os remos,
E, um a outro, as mãos nos damos.
A quem dou as mãos?
À Outra.

Teus beijos são de mel de boca,
São os que sempre pensei dar,
E agora a minha boca toca
A boca que eu sonhei beijar.
De quem é a boca?
Da Outra.

Os remos já cairam na água,
O barco faz o que a água quer.
Meus braços vingam minha mágoa
No abraço que enfim podem ter.
Quem abraço?
A Outra.

Bem sei, és bela, és quem desejei...
Não deixe a vida que eu deseje
Mais que o que pode ser teu beijo
O poder ser eu que te beije
Beijo, e em que eu penso?
Na Outra.

Os remos vão perdidos já,
o barco vai não sei para onde.
Que fresco o teu sorriso está,
Ah, meu amor, e o que ele esconde!
Que é do sorriso
Da Outra?

Ah, talvez mortos ambos nós,
Num outro rio sem lugar
Em outro barco outra vez sós
Possamos nós recomeçar
Que talvez sejas
A Outra.

Mas não, nem onde essa paisagem
É sob eterna luz eterna
Te acharei mais que alguém na viagem
Que amei com ansiedade terna
Por ser parecida
Com a Outra.

Ah, por ora, idos remo e rumo,
Dá-me as mãos, a boca, o teu ser.
Façamos dessa hora um resumo
Do que não poderemos ter.
Nesta hora, a única,
Sê a Outra.

Música

Juca Chaves, em A Cúmplice, faz a melhor descrição que conheço da mulher que alguém pode querer ter. 

Eu quero uma mulher que seja diferente
de todas que eu já tive, de todas tão iguais.
Que seja minha amiga, amante, confidente;
A cúmplice de tudo que eu fizer a mais.
No corpo tenha o Sol, no coração a Lua,
A pele cor de sonho, as formas de maçãs,
A fina transparência, uma elegância nua,
O mágico fascínio, o cheiro das manhãs.
Eu quero uma mulher de coloridos modos,
Que morda os lábios sempre que for me abraçar.
No seu falar provoque o silenciar de todos
E seu silêncio obrigue a me fazer sonhar.
Que saiba receber, que saiba ser bem-vinda,
Que possa dar jeitinho a tudo que fizer,
Que ao sorrir provoque uma covinha linda;
De dia, uma menina; a noite, uma mulher.
Ouça a música no link abaixo:
Juca Chaves: A cúmplice


domingo, 10 de fevereiro de 2013

41 - Pessoa: Começa a ir ser dia; Dalva de Oliveira: Ave Maria no Morro

Hoje, com muita tristeza, essa postagem é dedicada ao meu querido amigo Perseu Fernando dos Santos, falecido ontem. Pessoa, em seus versos diz "...só sinto o indefinido do coração vazio". Na música, uma oração. Em homenagem a esse brasileiro, que mesmo 30 anos morando fora nunca esqueceu o seu país e ao voltar fez de tudo para melhorar o que estava a seu alcance, uma Ave Maria. Mas não uma ave maria tradicional, e sim Ave Maria no Morro, de Herivelto Martins, na voz de Dalva de Oliveira, e outra versão, em italiano, linda, com Andrea Bocelli e Luciano Pavaroti .  "... e o morro inteiro, no fim do dia, ergue uma prece, Ave Maria". Esse prece é pra você, meu amigo querido. Que Deus o acolha com bondade.

Começa a ir ser dia, 
O céu negro começa,
Numa menor negrura
Da sua noite escura,
A ter uma cor fria
Onde a negrura cessa.
Um negro azul-cinzento
Emerge vagamente
De  onde o oriente dorme
Seu tardo sono informe,
E há um frio sem vento
Que se ouve e mal se sente.
Mas eu, o mal-dormido,
Não sinto noite ou frio,
Nem sinto vir o dia
Da solidão vazia.
Só sinto o indefinido
Do coração vazio.
Em vão o dia chega
Quem não dorme, a quem
Não tem que ter razão
Dentro do coração,
Que quando vive nega
E quando ama não tem.
Em vão, em vão, e o céu
Azula-se de verde
Acinzentadamente.
Que é isto que a minha alma sente ?
Nem isto, não, nem eu,
Na noite que se perde. 

Música - Dalva de Oliveira, Ave Maria no Morro

Barracão de zinco
Sem telhado, sem pintura
Lá no morro
Barracão é bangalô
Lá não existe
Felicidade de arranha-céu
Pois quem mora lá no morro
Já vive pertinho do céu
Tem alvorada, tem passarada
Alvorecer
Sinfonia de pardais
Anunciando o anoitecer
E o morro inteiro no fim do dia
Reza uma prece ave Maria
E o morro inteiro no fim do dia
Reza uma prece ave Maria
Ave Maria
Ave
E quando o morro escurece
Elevo a Deus uma prece
Ave Maria


Ouça a música nos links abaixo:

sábado, 9 de fevereiro de 2013

40 - Pessoa: Foi um momento; Maria Creuza: ninguém me ama

Pessoa: por que retiraste a mão? Ainda sinto o toque... mas tão de leve!

Foi um momento 
O em que pousaste 
Sobre o meu braço, 
Num movimento 
Mais de cansaço 
Que pensamento, 
A tua mão 
E a retiraste. 
Senti ou não ? 

Não sei. Mas lembro 
E sinto ainda 
Qualquer memória 
Fixa e corpórea 
Onde pousaste 
A mão que teve 
Qualquer sentido 
Incompreendido. 
Mas tão de leve!... 

Tudo isto é nada, 
Mas numa estrada 
Como é a vida 
Há muita coisa Incompreendida... 

Sei eu se quando 
A tua mão 
Senti pousando 
Sobre o meu braço, 
E um pouco, um pouco, 
No coração, 
Não houve um ritmo 
Novo no espaço?

Como se tu, 
Sem o querer, 
Em mim tocasses 
Para dizer 
Qualquer mistério, 
Súbito e etéreo, 
Que nem soubesses 
Que tinha ser. 

Assim a brisa 
Nos ramos diz 
Sem o saber 
Uma imprecisa 
Coisa feliz.

Música
Complementando o post de ontem, hoje Antônio Maria retoma seu tema da solidão, com Ninguém me ama, na voz de Maria Creuza.
Ninguém me ama, ninguém me quer
Ninguém me chama de meu amor
A vida passa, e eu sem ninguém
E quem me abraça não me quer bem
Vim pela noite tão longa de fracasso em fracasso
E hoje descrente de tudo me resta o cansaço
Cansaço da vida, cansaço de mim
Velhice chegando e eu chegando ao fim
Ouça a música no link abaixo:
Maria Creuza: Ninguém me ama