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quinta-feira, 7 de março de 2013

66 - Fernando Pessoa: Outros terão; Gonzaguinha: Nunca pare de sonhar

Fernando Pessoa desesperançado, à busca de um amigo, um amor. Consciente da sua condição, “Não sofre menos quem o reconhece, sofre quem finge desprezar sofrer”... Sabedor de que tem que passar pelo que lhe cabe, “Só tenho por consolação que os olhos vão se acostumando à escuridão”.  Em contraponto, Gonzaguinha mostra um fio de esperança “Para não ter medo que este tempo vai passar. Não se desespere, nem pare de sonhar" Quem será que vai ganhar? Será que o tempo conseguirá clarear a escuridão que parece intransponível?

Outros terão
Um lar, quem saiba, amor, paz, um amigo.
A inteira, negra e fria solidão
Está comigo.

A outros talvez
Há alguma coisa quente, igual, afim
No mundo real. Não chega nunca a vez
Para mim.

"Que importa?"
Digo, mas só Deus sabe que o não creio.
Nem um casual mendigo à minha porta
Sentar-se veio.

"Quem tem de ser?"
Não sofre menos quem o reconhece.
Sofre quem finge desprezar sofrer
Pois não esquece.

Isto até quando?
Só tenho por consolação
Que os olhos se me vão acostumando
À escuridão.

Gonzaguinha: Nunca pare de sonhar

Ontem um menino que brincava me falou
Hoje é a semente do amanhã
Para não ter medo que este tempo vai passar
Não se desespere, nem pare de sonhar
Nunca se entregue, nasça sempre com as manhãs
Deixe a luz do sol brilhar no céu do seu olhar
Fé na vida, fé no homem, fé no que virá
Nós podemos tudo, nós podemos mais
Vamos lá fazer o que será

Gonzaguinha: Nunca pare de sonhar

quarta-feira, 6 de março de 2013

65 - Fernando Pessoa: Tudo quanto sonhei tenho perdido; Vinícius de Moraes: Onde anda você


Fernando Pessoa perdendo o coração. Mas da forma mais triste, perdendo sem ter tido “Tudo quanto sonhei tenho perdido antes de o ter”. Quando se perde um amor desejado mas nunca realmente vivido, vivenciado apenas na esperança...  Certamente ele preferiria sentir a saudade expressa por Vinícius de Moraes em “Onde anda você”... pelo menos ele teria para recordar o corpo, a canção, os bares...

Tudo quanto sonhei tenho perdido
Antes de o ter.
Um verso ao menos fique do inobtido,
Música de perder.

Pobre criança a quem não deram nada,
Choras? É em vão.
Como tu choro à beira da erma estrada.
Perdi o coração.

A ti talvez, que não te têm dado.
Darão enfim...
A mim...Sei que eu que duro e inato fado
Me espera a mim?

Vinícius de Moraes - Onde anda você

E por falar em saudade onde anda você
Onde andam seus olhos que a gente não vê
Onde anda esse corpo
Que me deixou morto de tanto prazer
E por falar em beleza onde anda a canção
Que se ouvia na noite dos bares de então
Onde a gente ficava,onde a gente se amava
Em total solidão
Hoje eu saio na noite vazia
Numa boemia sem razão de ser
Na rotina dos bares,que apesar dos pesares,
Me trazem você
E por falar em paixão, em razão de viver,
Você bem que podia me aparecer
Nesses mesmos lugares, na noite, nos bares
Onde anda você?

terça-feira, 5 de março de 2013

64 - Fernando Pessoa: Estou cansado, é claro; Gonzaguinha: Ponto de interrogação


Fernando Pessoa reclamando que "a certa altura, a gente tem que estar cansado", 
mesmo sem saber do que. A inteligência até serve para alguma coisa, mas será que
entender ajuda em algo? Ou como diz Gonzaguinha, "é preciso ter consciência do 
que eu represento nesse exato momento", e tudo são pontos de interrogação?


Estou cansado, é claro, 
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado. 
De que estou cansado, não sei: 
De nada me serviria sabê-lo, 
Pois o cansaço fica na mesma. 
A ferida dói como dói 
E não em função da causa que a produziu. 
Sim, estou cansado, 
E um pouco sorridente 
De o cansaço ser só isto — 
Uma vontade de sono no corpo, 
Um desejo de não pensar na alma, 
E por cima de tudo uma transparência lúcida 
Do entendimento retrospectivo... 
E a luxúria única de não ter já esperanças? 
Sou inteligente; eis tudo. 
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto, 
E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá, 
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.

Gonzaguinha: Ponto de interrogação

Por acaso algum dia você se importou
Em saber se ela tinha vontade ou não
E se tinha e transou,você tem a certeza
De que foi uma coisa maior para dois
Você leu em seu rosto o gosto,o fogo,o gozo da festa
E deixou que ela visse em você
Toda a dor do infinito prazer
E se ela deseja e você não deseja
Você nega,alega cansaço ou vira de lado
Ou se deixa levar na rotina
Tal qual um menino tão só no antigo banheiro
Folheando as revistas,comendo a s figuras
As cores das fotos te dando a completa emoção
São perguntas tão tolas de uma pessoa
Não ligue,não ouça são pontos de interrogação
E depois desses anos no escuro do quarto
Quem te diz que não é só o vicio da obrigação
Pois com a outra você faz de tudo
Lembrando daquela tão santa
Que é dona do teu coração
Eu preciso é ter consciência
Do que eu represento nesse exato momento
No exato instante na cama,na lama,na grama
Em que eu tenho uma vida inteira nas mãos..

segunda-feira, 4 de março de 2013

63 - Fernando Pessoa: Na casa defronte de mim; Oswaldo Montenegro: Todo sentimento

Fernando Pessoa invejando a felicidade alheia: "Na casa defronte de mim e dos meus sonhos, que felicidade há sempre!" Enquanto isso, ele fala da própria vida "Até eu, que neste momento já não estou sentindo nada. Nada? Não sei... Um nada que dói..." O nada dói... mais do que alguma coisa. A ausência que é presença... E Oswaldo Montenegro, interpretando delicadamente Roberto Menescal, completa: "Prometo te querer, até o amor cair, doente, doente...  Prefiro, então, partir a tempo de poder, a gente se desvencilhar da gente. Depois de te perder, te encontro, com certeza, talvez num tempo da delicadeza. Onde não diremos nada, nada aconteceu. Apenas seguirei como encantado ao lado teu." Que bom se a gente conseguisse ter esse distanciamento quando essas coisas acontecem, e conseguisse tentar, com calma, "a gente se desvencilhar da gente". Mas na realidade, Pessoa infelizmente está certo: "Um nada que dói..."

"Na casa defronte de mim e dos meus sonhos,
Que felicidade há sempre!
Moram ali pessoas que desconheço, que já vi mas não vi.
São felizes, porque não são eu.
As crianças, que brincam às sacadas altas,
Vivem entre vasos de flores,
Sem dúvida, eternamente.
As vozes, que sobem do interior do doméstico,
Cantam sempre, sem dúvida.
Sim, devem cantar.
Quando há festa cá fora, há festa lá dentro.
Assim tem que ser onde tudo se ajusta —
O homem à Natureza, porque a cidade é Natureza.
Que grande felicidade não ser eu!
Mas os outros não sentirão assim também?
Quais outros? Não há outros.
O que os outros sentem é uma casa com a janela fechada,
Ou, quando se abre,
É para as crianças brincarem na varanda de grades,
Entre os vasos de flores que nunca vi quais eram.
Os outros nunca sentem.
Quem sente somos nós,
Sim, todos nós,
Até eu, que neste momento já não estou sentindo nada.
Nada? Não sei...
Um nada que dói...


Oswaldo Montenegro – Todo sentimento

Preciso não dormir
Até se consumar
O tempo da gente.
Preciso conduzir
Um tempo de te amar,
Te amando devagar e urgentemente.
Pretendo descobrir
No último momento
Um tempo que refaz o que desfez,
Que recolhe todo sentimento
E bota no corpo uma outra vez.
Prometo te querer
Até o amor cair
Doente, doente...
Prefiro, então, partir
A tempo de poder
A gente se desvencilhar da gente.
Depois de te perder,
Te encontro, com certeza,
Talvez num tempo da delicadeza,
Onde não diremos nada;
Nada aconteceu.
Apenas seguirei
Como encantado ao lado teu.

domingo, 3 de março de 2013

62 - Fernando Pessoa: O que há em mim é sobretudo cansaço; Marisa Monte: Bem que se quis

Fernando Pessoa desiludido com as paixões, sentindo um imenso cansaço. Às vezes podemos sentir um imenso cansaço, mas nunca nos desiludir do amor. Por mais que algo não funcione, e um imenso cansaço nos invada, a lembrança do que nos fez feliz deve ser sempre maior do que as possíveis amarguras. E o carinho por quem amamos deve sempre estar presente acima de tudo. Por que apesar do cansaço, e do desejo que nem sempre é o mesmo em duas almas que se gostam, Marisa Monte nos lembra que "Bem que se quis, depois de tudo ainda ser feliz. Mas já não há caminhos pra voltar... o que que a vida fez da nossa vida... o que que a gente não faz por amor." Esperança de, de alguma forma ser feliz, de achar o caminho... pra voltar ou pra ir em frente... e o desejo de que quem a gente ama seja, acima de tudo, também feliz.

O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo, 
Nem sequer de tudo ou de nada: 
Cansaço assim mesmo, ele mesmo, 
Cansaço.

A sutileza das sensações inúteis, 
As paixões violentas por coisa nenhuma, 
Os amores intensos por o suposto em alguém, 
Essas coisas todas
Essas e o que falta nelas eternamente
Tudo isso faz um cansaço, 
Este cansaço, 
Cansaço. 

Há sem dúvida quem ame o infinito, 
Há sem dúvida quem deseje o impossível, 
Há sem dúvida quem não queira nada
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles: 
Porque eu amo infinitamente o finito, 
Porque eu desejo impossivelmente o possível, 
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser, 
Ou até se não puder ser... 

E o resultado? 
Para eles a vida vivida ou sonhada, 
Para eles o sonho sonhado ou vivido, 
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto... 
Para mim só um grande, um profundo, 
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço, 

Um supremíssimo cansaço, 
Íssimo, íssimo, íssimo, 
Cansaço...

Marisa Monte - Bem que se quis

Bem que se quis
Depois de tudo
Ainda ser feliz
Mas já não há
Caminhos prá voltar
E o quê, que a vida fez
Da nossa vida?
O quê, que a gente
Não faz por amor?...
Mas tanto faz!
Já me esqueci
De te esquecer
Porque!
O teu desejo
É meu melhor prazer
E o meu destino
É querer sempre mais
A minha estrada corre
Pro seu mar...
Agora vem, prá perto vem
Vem depressa, vem sem fim
Dentro de mim
Que eu quero sentir
O teu corpo pesando
Sobre o meu
Vem meu amor, vem prá mim
Me abraça devagar
Me beija e me faz esquecer...
Bem que se quis
Depois de tudo
Ainda ser feliz
Mas já não há
Caminhos prá voltar
E o quê, que a vida fez
Da nossa vida?
O quê, que a gente
Não faz por amor?...
Mas tanto faz!
Já me esqueci
De te esquecer
Porque!
O teu desejo
É meu melhor prazer
E o meu destino
É querer sempre mais
A minha estrada corre
Pro seu mar...
Agora vem, prá perto vem
Vem depressa, vem sem fim
Dentro de mim
Que eu quero sentir
O teu corpo pesando
Sobre o meu
Vem meu amor, vem prá mim
Me abraça devagar
Me beija e me faz esquecer...
Bem Que Se Quis!...

sábado, 2 de março de 2013

61 - Fernando Pessoa: Essa velha angústia; Gonzaguinha: Sangrando

Fernando Pessoa, falando de um momento em que a angústia  transborda... e nesse momento a vontade de sumir "Se ao menos endoidecesse deveras!". Há momentos na vida em que nada ajuda, nada consola, nada que se fale alivia a pressão no peito e a dor no estômago. E junto com pessoa, Gonzaguinha fala em "Sangrando" : "Eis aqui uma pessoa se entregando, coração na boca, peito aberto, vou sangrando"... E não há atadura que possa segurar esse sangramento. Talvez o tempo... muito tempo... enquanto isso, estala, coração de vidro pintado.

Esta velha angustia, 
Esta angustia que trago há séculos em mim, 
Transbordou da vasilha,
Em lágrimas, em grandes imaginações, 
Em sonhos em estilo de pasadelo sem terror, 
Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum. 
Transbordou. 
Mal sei como conduzir-me na vida 
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma! 
Se ao menos endoidecesse deveras! 
Mas não: é este estar entre, 
Este quase, 
Este poder ser que..., 
Isto. 
Um internado num manicómio é, ao menos, alguém, 
Eu sou um internado num manicómio sem manicómio. 
Estou doido a frio, 
Estou lúcido e louco, 
Estou alheio a tudo e igual a todos: 
Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura 
Porque não são sonhos. 
Estou assim... 
Pobre velha casa da minha infância perdida!
Quem te diria que eu me desacolhesse tanto! 
Que é do teu menino? 
Está maluco. 
Que é de quem dormia sossegado sob o teu tecto provinciano? 
Está maluco. 
Quem de quem fui? 
Está maluco. 
Hoje é quem eu sou. 
Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer! 
Por exemplo, por aquele manipanso 
Que havia em casa, lá nessa, trazido de África. 
Era feíssimo, era grotesco, 
Mas havia nele a divindade de tudo em que se crê. 
Se eu pudesse crer num manipanso qualquer – Júpiter, Jeová, a Humanidade – 
Qualquer serviria, Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo? 
Estala, coração de vidro pintado!

Gonzaguinha: Sangrando

Quando eu soltar a minha voz
Por favor entenda
Que palavra por palavra
Eis aqui uma pessoa se entregando
Coração na boca
Peito aberto
Vou sangrando
São as lutas dessa nossa vida
Que eu estou cantando
Quando eu abrir minha garganta
Essa força tanta
Tudo que você ouvir
Esteja certa
Que estarei vivendo
Veja o brilho dos meus olhos
E o tremor nas minhas mãos
E o meu corpo tão suado
Transbordando toda a raça e emoção
E se eu chorar
E o sal molhar o meu sorriso
Não se espante, cante
Que o teu canto é a minha força
Pra cantar
Quando eu soltar a minha voz
Por favor, entenda
É apenas o meu jeito de viver
O que é amar


Gonzaguinha: Sangrando

sexta-feira, 1 de março de 2013

60 - Fernando Pessoa: Uns, com os olhos postos no passado; Milton Nascimento: Travessia

Hoje pode ser um dia importante... acho que alguém vai embora... Sobre isso, Fernando Pessoa lembra que nem o passado nem o futuro devem ser o mais relevante.  "Esta é a hora, este é o momento, isto é quem somos, e é tudo."  Nada na realidade é capaz de nos preparar plenamente para momentos fundamentais. A isso, Milton Nascimento diz "Quando você foi embora fez-se noite em meu viver Forte eu sou mas não tem jeito, hoje eu tenho que chorar"... A esperança, então, está sempre presente no novo amanhecer que virá após o fim da noite.

Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem; outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.
Porque tão longe ir pôr o que está perto —
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.
Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
O dia, porque és ele.

Milton Nascimento – Travessia


Quando você foi embora fez-se noite em meu viver
Forte eu sou mas não tem jeito, hoje eu tenho que chorar
Minha casa não é minha, e nem é meu este lugar
Estou só e não resisto, muito tenho prá falar
Solto a voz nas estradas, já não quero parar
Meu caminho é de pedras, como posso sonhar
Sonho feito de brisa, vento vem terminar
Vou fechar o meu canto, vou querer me matar
Vou seguindo pela vida me esquecendo de você
Eu não quero mais a morte, tenho muito que viver
Vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer
Já não sonho, hoje faço com meu braço o meu viver
Solto a voz nas estradas, já não quero parar
Meu caminho é de pedras, como posso sonhar
Sonho feito de brisa, vento vem terminar
Vou fechar o meu canto, vou querer me matar