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terça-feira, 29 de outubro de 2013

249 - Drumundana: Alice Ruiz: Elis Regina e Tom Jobim - Modinha

Alice Ruiz

Drumundana
          e agora maria?
o amor acabou
a filha casou
o filho mudou
teu homem foi pra vida
que tudo cria
a fantasia
que você sonhou
apagou
à luz do dia

e agora maria?
vai com as outras
vai viver
com a hipocondria
Elis Regina e Tom Jobim - Modinha

Não, não pode mais meu coração 
Viver assim dilacerado 
Escravizado a uma ilusão 
Que é só desilusão 
Não, não seja a vida sempre assim 
Como um luar desesperado 
A derramar melancolia em mim 
Poesia em mim 
Vai, triste canção, sai do meu peito 
E semeia emoção 
Que chora dentro do meu coração

domingo, 27 de outubro de 2013

248 - Fernando Pessoa: Como é por dentro outra pessoa; Cúmplices: Mafalda Veiga

Fernando Pessoa

Como é por dentro outra pessoa
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Com que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.

Nada sabemos da alma
 

Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição de qualquer semelhança
No fundo.

Cúmplices: Mafalda Veiga


A noite vem às vezes tão perdida
E quase nada parece bater certo
Há qualquer coisa em nos inquieta e ferida
E tudo que era fundo fica perto
Nem sempre o chão da alma é seguro
Nem sempre o tempo cura qualquer dor
E o sabor a fim do mar que vem do escuro
É tantas vezes o que resta do calor
Se eu fosse a tua pele
Se tu fosses o meu caminho
Se nenhum de nós se sentisse nunca sozinho
Trocamos as palavras mais escondidas
E só a noite arranca sem doer
Seremos cúmplices o resto da vida
Ou talvez só até amanhecer
Fica tão fácil entregar a alma
A quem nos traga um sopro do deserto
Olhar onde a distância nunca acalma
Esperando o que vier de peito aberto
Se eu fosse a tua pele
Se tu fosses o meu caminho
Se nenhum de nós se sentisse nunca sozinho

Se eu fosse a tua pele            
Se tu fosses o meu caminho
Se nenhum de nós se sentisse nunca sozinho

sábado, 26 de outubro de 2013

247 - Lorca: Verlaine; Madredeus e Beatriz Nunes: Ao longe o mar

Lorca: Verlaine 

A canção, 
que nunca direi, 
adormeceu em meus lábios. 
A canção
que nunca direi. 

Entre as madressilvas
havia um vaga-lume, 
e a lua feria
com um raio a água. 

Então eu sonhei
com a canção 
que nunca direi. 

Canção cheia de lábios
e de álveos distantes. 

Canção cheia de horas
perdidas na sombra. 

Canção de estrela viva
sobre um perpétuo dia. 

Madredeus e Beatriz Nunes: Ao longe o mar

Porto calmo de abrigo
De um futuro maior
Inda não está perdido
No presente temor
Não faz muito sentido
Já não esperar o melhor
Vem da névoa saindo
A promessa anterior
Quando avistei
Ao longe o mar
Ali fiquei
Parada a olhar
Sim, eu canto a vontade
Canto o teu despertar
E abraçando a saudade
Canto o tempo a passar
Quando avistei
Ao longe o mar
Ali fiquei
Parada a olhar

Quando avistei
Ao longe o mar
Sem querer deixei-me
Ali ficar

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

246 - Fernando Pessoa: Ouço sem ver; André Sardet: Foi feitiço

Fernando Pessoa

Ouço sem ver, e assim, entre o arvoredo,
Vejo ninfas e faunos entremear
As árvores que fazem sombra ou medo
E os ramos que sussurram de eu olhar.
Mas que foi que passou? Ninguém o sabe.
Desperto, e ouço bater o coração —
Aquele coração em que não cabe
O que fica da perda da ilusão.
Eu quem sou, que não sou meu coração?


Eu gostava de olhar para ti
E dizer-te que és uma luz
Que me acende a noite,
Me guia de dia
E seduz.
Eu gostava de ser como tu
Não ter asas e poder voar
Ter o céu como fundo
Ir ao fim do mundo e voltar
Eu não sei o que me aconteceu
Foi feitiço,
O que é que me deu?
Pra gostar tanto assim de alguém
Como tu...
Eu gostava que olhasses para mim
E sentisses que sou o teu mar
Mergulhasses sem medo
Olhar em segredo
Só pra eu... te abraçar
Eu não sei o que me aconteceu
Foi feitiço,
O que é que me deu?
Pra gostar tanto assim de alguém
Como tu...
O primeiro impulso
É sempre o mais justo
É mais verdadeiro
E o primeiro susto
Dá voltas e voltas
Na volta redonda
De um beijo profundo
Eu...
Eu não sei o que me aconteceu
Foi feitiço,
O que é que me deu?
Pra gostar tanto assim de alguém
Como tu...

Eu não sei o que me aconteceu
Foi feitiço,
O que é que me deu?
Pra gostar tanto assim de alguém
Como tu...
Como tu...

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

245 - Cecília Meireles: Nunca eu tivera querido; Cazuza: Codinome Beija flor

Cecília Meireles

Nunca eu tivera querido
Dizer palavra tão louca
Bateu-me um vento na boca
E depois no teu ouvido
Levou somente a palavra
Deixou ficar o sentido

O sentido está guardado
No rosto com que te miro
Nesse perdido suspiro
Que te segue alucinado
No meu sorriso suspenso
Como um beijo malogrado

Nunca ninguém viu ninguém
Que o amor pusesse tão triste
Esta tristeza não viste
E eu sei que ela se vê bem
Só se aquele mesmo vento
Fechou teus olhos também


Pra que mentir
Fingir que perdoou
Tentar ficar amigos sem rancor
A emoção acabou
Que coincidência é o amor
A nossa música nunca mais tocou
Pra que usar de tanta educação
Pra destilar terceiras intenções
Desperdiçando o meu mel
Devagarzinho, flor em flor
Entre os meus inimigos, beija-flor
Eu protegi o teu nome por amor
Em um codinome, Beija-flor
Não responda nunca, meu amor
Pra qualquer um na rua, Beija-flor
Que só eu que podia
Dentro da tua orelha fria
Dizer segredos de liquidificador

Você sonhava acordada
Um jeito de não sentir dor
Prendia o choro e aguava o bom do amor
Prendia o choro e aguava o bom do amor

terça-feira, 15 de outubro de 2013

244 - Cecília Meireles: Lua adversa; Celtic Woman – Scarbourough fair

Cecília Meireles

LUA ADVERSA 

Tenho fases, como a lua 
Fases de andar escondida, 
fases de vir para a rua... 
Perdição da minha vida! 
Perdição da vida minha! 
Tenho fases de ser tua, 
tenho outras de ser sozinha. 

Fases que vão e vêm, 
no secreto calendário 
que um astrólogo arbitrário 
inventou para meu uso. 

E roda a melancolia 
seu interminável fuso! 
Não me encontro com ninguém 
(tenho fases como a lua...) 
No dia de alguém ser meu 
não é dia de eu ser sua... 
E, quando chega esse dia, 
o outro desapareceu...


Are you going to Scarborough Fair?
Parsley, sage, rosemary, and thyme
Remember me to one who lives there
She once was a true love of mine

Tell her to make me a cambric shirt
(On the side of a hill in the deep forest green)
Parsley, sage, rosemary, and thyme
(Tracing a sparrow on snow-crested ground)
Without no seams nor needlework
(Blankets and bedclothes the child of the mountain)
Then she'll be a true love of mine
(Sleeps unaware of the clarion call)

Tell her to find me an acre of land
(On the side of a hill, a sprinkling of leaves)
Parsley, sage, rosemary, and thyme
(Washes the ground with so many tears)
Between the salt water and the sea strand
(A soldier cleans and polishes a gun)
Then she'll be a true love of mine

Tell her to reap it in a sickle of leather
(War bellows, blazing in scarlet battalions)
Parsley, sage, rosemary, and thyme
(Generals order their soldiers to kill)
And to gather it all in a bunch of heather
(And to fight for a cause they've long ago forgotten)
Then she'll be a true love of mine

Are you going to Scarborough Fair?
Parsley, sage, rosemary, and thyme
Remember me to one who lives there
She once was a true love of mine

Feira de Scarborough

Você está indo à feira de Scarborough?
Salsa, salvia, alecrim, e tomilho
Relembre-me a alguém que vive lá
Ela outrora foi o meu verdadeiro amor

Diga a ela para fazer-me uma camisa de cambraia
(No lado de uma colina, na profunda floresta verde)
Salsa, salva, alecrim, e tomilho
(Desenhando um pardal no chão coberto de neve)
Sem nenhuma costura ou trabalho de agulha
(Cobertores e roupas de dormir da criança da montanha)
Então ela será o meu verdadeiro amor
(Dorme desatenta ao chamado da trompa)

Diga a ela para conseguir-me um acre de terra
(No lado de uma colina, um salpicado de folhas)
Salsa, salvia, alecrim, e tomilho
(Lavam o chão com um monte de lágrimas)
Entre a água salgada e a praia
(Um soldado limpa e pule uma arma)
Então ela será o meu verdadeiro amor

Diga a ela para ceifar com uma foice de couro
(Foles de guerra, brilhando em batalhões escarlates)
Salsa, salvia, alecrim, e tomilho
(Generais ordenam seus soldados a matar)
E para colher tudo num ramo de urze
(E para combater por uma causa que eles há muito esqueceram)
Então ela será o meu verdadeiro amor

Você está indo à feira de Scarborough?
Salsa, salvia, alecrim, e tomilho
Relembre-me a alguém que vive lá

Ela outrora foi o meu verdadeiro amor

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

243 - Neruda: OH que todo o amor propague em mim sua boca; Renato Russo e Cássia Eller: Vento no litoral

Pablo Neruda

OH que todo o amor propague em mim sua boca,
que não sofra um momento mais sem primavera,
eu não vendi senão minhas mãos à dor,
agora, bem-amada, deixa-me com teus beijos.

Cobre a luz do mês aberto com teu aroma,
fecha as portas com tua cabeleira
e em relação a mim não esqueças que se desperto e choro
é porque em sonhos apenas sou um menino perdido

que busca entre as folhas da noite tuas mãos,
o contato do trigo que tu me comunicas,
um rapto cintilante de sombra e energia.

Oh, bem-amada, e nada mais que sombra
por onde me acompanhes em teus sonhos
e me digas a hora da luz.


De tarde quero descansar
Chegar até a praia e ver
Se o vento ainda está forte 
E vai ser bom subir nas pedras
Sei que faço isso pra esquecer
Eu deixo a onda me acertar
E o vento vai levando tudo embora...
Agora está tão longe, vê
A linha do horizonte me distrai:
Dos nossos planos é que tenho mais saudade
Quando olhávamos juntos
Na mesma direção
Aonde está você agora, 
Além de aqui, dentro de mim?
Agimos certo sem querer
Foi só o tempo que errou
Vai ser difícil sem você
Porque você está comigo o tempo todo
E quando vejo o mar
Existe algo que diz
Que a vida continua e se entregar é uma bobagem
Já que você não está aqui
O que posso fazer
É cuidar de mim
Quero ser feliz ao menos
Lembra que o plano era ficarmos bem?
Ei, olha só o que eu achei: cavalos-marinhos...

Sei que faço isso pra esquecer
Eu deixo a onda me acertar
E o vento vai levando tudo embora...

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

242 - Pablo Neruda - Ao golpe da ondal; Dorival Caymmi – O mar

Mares...

Pablo Neruda

AO GOLPE da onda contra a pedra indócil
estala a claridade e estabelece sua rosa
e o círculo do mar se reduz a um cacho,
a uma só gota de sal azul que tomba.

Oh radiante magnólia desatada na espuma,
magnética viageira cuja morte floresce
e eternamente volta a ser e a não ser nada:
sal roto, deslumbrante movimento marinho.

Juntos tu e eu, amor meu, selamos o silêncio,
enquanto o mar destrói suas constantes estátuas
e derruba suas torres de enlevo e brancura,

porque na trama destes tecidos invisíveis
da água entornada, da incessante areia,
sustentamos a única e acossada ternura.


O mar quando quebra na praia
É bonito, é bonito
O mar... pescador quando sai
Nunca sabe se volta, nem sabe se fica
Quanta gente perdeu seus maridos seus filhos
Nas ondas do mar
O mar quando quebra na praia
É bonito, é bonito
Pedro vivia da pesca
Saia no barco
Seis horas da tarde
Só vinha na hora do sol raiá
Todos gostavam de Pedro
E mais do que todas
Rosinha de Chica
A mais bonitinha
E mais bem feitinha
De todas as mocinha lá do arraiá
Pedro saiu no seu barco
Seis horas da tarde
Passou toda a noite
Não veio na hora do sol raiá
Deram com o corpo de Pedro
Jogado na praia
Roído de peixe
Sem barco sem nada
Num canto bem longe lá do arraiá

Pobre Rosinha de Chica
Que era bonita
Agora parece
Que endoideceu
Vive na beira da praia
Olhando pras ondas
Andando rondando
Dizendo baixinho
Morreu, morreu, morreu, oh...