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segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

28 - Marcelo: Em ti encontrei a beleza das coisas simples; Rod Stewart: These foolish things

Vi no face essa postagem de um namorado que perdeu a namorada no incêndio na boite em Santa Maria. No meio de tantas mensagens moralistas e acusações de quem nessa hora vira juiz, essa foi a mensagem que me tocou. Porque me dá pavor essa sensação de perda.

"Hoje poderia ser só mais um domingo normal para mim. Eu passaria o dia inteiro com a minha namorada ou na casa dela ou na minha assistindo um filme qualquer, mas isso não vai acontecer. Minha namorada é uma das pessoas mortas que foi encontrada na boate. Nós brigamos e ela preferiu ir pra lá com as amigas dela. Eu não me preocupei, sabia que ela me ligaria no dia seguinte e me diria que se arrependeu de ter saído sem mim, mas hoje o telefone tocou inúmeras vezes e não era ela. Ainda não caiu a ficha pra mim, ainda não entendi o que aconteceu. Parece que a qualquer minuto o meu telefone vai tocar e vai ser ela do outro lado da linha me dizendo "você ainda esta bravo comigo?" Enquanto eu escrevo esse texto o meu coração aperta, meus olhos se enchem de lágrimas e o medo do amanhã toma conta de mim. Como eu queria que eu estar ali com ela, ou então, que eu tivesse pedido para ela não ir. Eu a perdi pra sempre, e nem ao menos disse a ela o quanto eu a amo e o quanto minha vida fica deserta sem ela por perto. Hoje é um dia triste pra mim. Hoje é o dia em que eu perdi a parte mais importante de mim, o meu coração."

Vinícius inicia seu texto “A solidão” com a seguinte passagem “Sequioso de escrever um poema que exprimisse a maior dor do mundo, Poe chegou, por exclusão, à idéia da morte da mulher amada. Nada lhe pareceu mais definitivamente doloroso. Assim nasceu “O corvo”: o pássaro agoureiro a repetir ao homem sozinho em sua saudade a pungente litania do “nunca mais
                                                                                                            
Esse medo, o “nunca mais”, no caso irremediável, me apavora. Consigo sim imaginar a dor dessa pessoa... Já tive separações não por casos de morte, mas por motivos alheios ao meu controle, quando quem eu amava não quis mais ficar comigo. Mas será que dá pra comparar, a separação e a morte?

Para a morte há o luto. Há o desespero inicial, há a revolta, a sensação de querer buscar razões que não existem. A vida simplesmente acontece. Com o tempo, embora a dor sempre esteja lá, a “irremediabilidade” desse nunca mais acaba por nos envolver.

Para o abandono também deve haver o luto. A diferença é que quando o amor é real, imenso, incontrolável, não há a irremediabilidade do nunca mais. O seu amado está vivo, mas separado não por algo inexorável, mas por um desejo de não mais estar junto: “(...) um ser separado dele pelo limite existente entre todas as coisas criadas”, fala Vinícius no seu texto “Separação”.  Aí viver esse luto passa a ser, para o abandonado, uma tarefa mais difícil do que para o que perdeu seu amor para o inexplicável do mundo; esse luto passa a ser uma questão de aceitar uma morte, mas de tentar aceitar uma morte em vida, de tentar matar um sentimento que está vivo, por alguém que está vivo, perto, mas longe.

Antes que alguém venha me contradizer, acompanhe rapidamente um breve raciocínio. O que será que dói mais, após dez, vinte anos... ter um filho morto ou um filho desaparecido? Do filho morto viveu-se o luto, forte, mas pontual. O filho desaparecido é uma morte em vida... que pai nessa situação não acorda a cada dia pensando “será que hoje a maçaneta da porta vai girar e ele vai entrar por ela”?

O ser abandonado por quem se ama com paixão é, para mim, como a angústia de um filho desaparecido. Quem não passa noites sonhando, embora possa ter consciência intelectual do fim unilateral de um amor, que ela vai amanhecer a seu lado? E ao acordar, sente apenas o frio do travesseiro vazio ao lado? Não falo aqui de amores de verão, mas daquele amor que enche a vida, e que cuja falta que faz com que as rosas colombianas tenham a face dela, que tomar um vinho nunca mais tenha o mesmo gosto, que ouvir Diana Krall cantando “I’ve got you under my skin” te encha de melancolia, que comer chocolates em um casamento tenham um gosto amargo, que um passeio ao zoológico seja algo doído até a alma... As pequenas coisas, as coisas simples.

Então a solução seria não amar? É melhor não arriscar com medo de sofrer? Vinícius, ainda em “Da solidão” mostra que não. O abandonado, o que perdeu seu amor em uma tragédia tem que aprender a ser só... mas mostra que “A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, o que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro. O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes de emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto de sua fria e desolada torre.”

Eu, ao apanhar muito da vida, aprendi o que é importante em uma relação de amor... o que buscar, o que relevar, que o perfeito não existe, que existe apenas a imensa vontade de seguir de mãos dadas, sabendo que a cada instante algo irá querer separar essas mãos, e que amor é esse seguir em frente. Que amar é encontrar alguém em quem se possa confiar, e  como eu já te falei, "que eu possa pensar alto ao lado". Amor não é só beleza, alegria...  é principalmente essa amizade, essa cumplicidade. Quando achar que está amando alguém, as perguntas principais são "será que essa pessoa pode ser o meu melhor amigo? Será que quando eu estiver angustiado, ela é a primeira pessoa em quem eu penso ou preciso procurar uma amiga? Eu posso realmente dividir com ela todas as minhas angústias ou para manter a relação tem coisas que ele não pode saber?" É esse tipo de amor que te ofereci,  e que acredito que você possa oferecer. Tipo de amor só o tempo ensina...  construído em cima de uma amizade que eu invejo profundamente nos raros casais que entendem que ser fiel não é uma questão de obrigação ou de cobrança, mas de querer estar ao lado do outro mesmo podendo estar em qualquer outro lugar.

Ao falar nisso tudo estava pensando em uma pessoa específica, ao ler o depoimento do rapaz fiquei apavorado ao pensar na dor imensa que teria se soubesse que essa pessoa tinha partido pra sempre, e deixado o mundo carente de seu sorriso, do seu jeito apaixonadamente irresponsável, da sua companhia, da sua alegria, das angústias que compartilhei e que espero que se resolvam, apesar dela não estar mais comigo... Alguém que nesses dois anos preencheu a minha vida de alegria e esperança.

Então mesmo sós,  não estamos totalmente sós, temos a lembrança do nosso amor. Doída, machucada, forte, presente, inconsolável... mas a lembrança de um amor. Que o tempo possa fazer com que todos consigam se curar, embora vá doer todo dia...

Pensando nela havia feito um poema que compartilho "Em ti encontrei a beleza das coisas simples" ... o que realmente queremos, o que fica, o que é realmente importante? Não as grandes conquistas, mas as coisas simples do dia a dia... as coisinhas tolas do dia a dia... cozinhar juntos, assistir um filme, passear de mão dadas, estudar juntos, compartilhar angústias, rir, chorar no ombro... o que faz algo realmente valer a pena.

Como esse blog sempre traz também uma música, hoje compartilho Rod Stewart cantando “These foolish things” – essas coisinhas simples me lembram de você.

Se alguém quiser, os textos completos de Vinícius que foram citados anteriormente podem ser encontrados em publicações anteriores nesse blog. Que a cada momento tenhamos a capacidade de lidar com nossas perdas, e mesmo nessa angústia, achar forças para tentar ser, de algum modo, pelo menos um pouco felizes.


Marcelo – Em ti encontrei a beleza das coisas simples

Em ti encontrei a beleza das coisas simples
Que brilham no fundo do seu olhar
Senti alegrias que invadiram a minha alma,
E tristezas que machucaram o coração.

Mas nada é perfeito, menos ainda o amor
Não busco no mundo minha metade ideal,
Mas alguém como você, com defeitos e qualidades
Que juntos com os meus irão se tornar companheiros

Cozinha, música, estudo, segredos,
Zoológico, chácara, risos e choros
Estiveram conosco nesses meses loucos

Não é muito o que espero de ti vida afora,
Apenas a alegria de sua companhia, para juntos
Continuarmos a gozar o prazer das coisas simples


Música

Na interpretação visceral de Rod Stewart, These foolish things – Essas coisinhas simples me lembram de você.

These foolish things

A cigarette that bears a lipstick's traces
An airline ticket to romantic places
And still my heart has wings
These foolish things remind me of you
A tinkling piano in the next apartment
Those stumblin' words that told you what my heart meant
A fairground's painted swings
These foolish things remind me of you
You came, you saw, you conquered me
When you did that to me
I knew somehow this had to be
The winds of March that make my heart a dancer
A telephone that rings but who's to answer?
Oh, how the ghost of you clings
These foolish things remind me of you
The scent of smouldering leaves the wail of steamers
Two lovers on the street who walk like dreamers
Oh how the ghost of you clings
These foolish things
Remind me of you
How strange, how sweet, to find you still
These things are dear to me
They seem to bring you so near to me
The sigh of midnight trains in empty stations
Silk stockings thrown aside dance invitations
Oh how the ghost of you clings
These foolish things
Remind me of you
Remind me of you
Remind me of you

Essas coisas simples

Um cigarro que descobre traços de um batom
Uma passagem aérea para lugares românticos
Ainda assim o meu coração tem asas
Essas coisas simples me lembrar de você.
Um piano tilintando no apartamento ao lado
Aquelas palavras hesitantes
Que lhe disseram o que o meu coração queria
Balanços pintados no parque
Essas coisas simples me lembram de você.
Você veio, você viu, você me conquistou
Quando você fez isso comigo
Eu sabia que de alguma forma isso tinha de ser
Os ventos da marcha que fizeram do meu coração um dançarino
Um telefone que toca, mas quem está tá pra responder
Oh, como o fantasma de você se apega
Essas coisas simples me lembram de você
O cheiro das folhas, o lamento de vapores
Dois amantes na rua que andam como sonhadores
Oh, como o fantasma de você se apega!
Essas coisas loucas me lembram você
Como é estranho como é doce a encontrá-la ainda
Essas coisas são importantes para mim
Eles parecem trazer você para perto de mim
O suspiro de trens da meia-noite nas estações vazias
Meias de seda deixadas de lado convidam a  dançar
Oh, como o fantasma de você se apega!
Essas coisas simples me lembram você.

Ouça a música no link abaixo:

Um comentário:

  1. Querido Marcelo,
    Fiquei emocionada de ler o que escreveste não apenas pela emoção ainda sentes por essa pessoa, mas pela emoção que consegues desenvolver.
    Bonito o teu poema.
    Acordaste 7 horas da manha, para escreveres como te preocupas com uma pessoa, por quem nutres um enorme amor, na qual não recebes nada em troca. Fiquei emocionada, sobretudo pela dedicação romântica (ou romanesca) que lhe devotas.
    Amor, que caldeirão, heim! Forte demais para controlar. Se fosse ao menos possível ser amigo depois da separação de quem ainda amamos..
    É uma cicatriz, sim. Mas passa. E os sulcos que nos ficam na pele, ajudam o rio da vida a correr em nos;
    Amar sem sofrer, seria amar sem possuir. Será esse o caminho?
    Beijocas
    Ana

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